Literatura com psicologia,  Saúde Mental

Amêndoas: Entenda a Alexitimia e o Impacto das Emoções no Livro

Sinopse

O livro conta a história de Yunjae, que nasceu com uma amígdala cerebral pequena (daí o título amêndoas) que o incapacita de entender e expressar emoções e sentimentos — condição médica conhecida como alexitimia. Sua incapacidade de expressar emoções como tristeza, alegria, e principalmente medo, o faz deste pequeno ser visto como frio e esquisito. Sua mãe, determinada a protegê-lo, cria métodos para que ele aprenda a imitar emoções e se ajuste melhor ao mundo ao seu redor. No entanto, conforme Yunjae cresce, o plano de sua mãe se torna cada vez mais inviável, e ele continua sendo alvo de bullying. Mesmo assim, Yunjae não se incomoda, pois ele simplesmente não sente.

Por causa de uma fatalidade do destino, o protagonista faz uma amizade inusitada com Gon — um rapaz problemático, com passado criminal, que por trás da máscara de ser alguém insensível e fria esconde uma pessoa que sente demais. De um lado, alguém incapaz de sentir, do outro alguém que gostaria de não sentir, o interesse de ambos crescem, assim como seus problemas adolescentes.

Se você quiser ler também outro livro sobre amizade inusitada e complexa, conheça o livro Amiga insana.

A condição de Yunjae: Alexitimia

Alexitimia é um termo introduzido por Sifneos (1972) para descrever pessoas que têm dificuldade em identificar e descrever suas emoções, além de uma tendência a pensar de forma lógica e objetiva, sem conexão emocional. Embora não haja consenso sobre todos os fatores que definem essa condição, em geral, a alexitimia é caracterizada pela incapacidade de distinguir sentimentos de sensações físicas, pela ausência de sonhos ou fantasias, e por uma forma de pensar voltada para a realidade externa. Pessoas com essa condição costumam ser vistas como frias ou insensíveis, sendo muitas vezes mal interpretadas como sociopatas ou autistas, o que reflete o preconceito sobre a falta de expressividade emocional.

Uma análise do drama coreano

O que torna “Amêndoas” fascinante é a maneira como as diferentes percepções de seus leitores divergem. No Goodreads, por exemplo, alguns apontam como o livro é surpreendentemente emotivo, mesmo com um protagonista que não sente. Por outro lado, há quem critique a obra justamente por essa característica, achando-a excessivamente baseada em fatos e, portanto, desconectada emocionalmente. Ainda assim, alguns leitores veem o livro como melodramático.

Para mim, “Amêndoas” conseguiu transmitir muitas emoções, apesar da condição de Yunjae. Embora ele não perceba claramente as emoções dos outros, a narrativa ainda traz uma carga emocional que ressoa nos detalhes. A relação entre Yunjae e Gon é um exemplo disso: dois personagens que, por motivos diferentes, lidam com emoções de maneiras extremas. A construção da amizade entre eles, marcada pela diferença na forma como experienciam o mundo, gera uma tensão interessante e profunda.

Entretanto, o livro não é perfeito. Uma das questões que me incomodou foi o uso excessivo de coincidências para mover a trama. O final, em particular, pareceu inverossímil. Sem dar spoilers, a solução para um evento chave da história exigiria um verdadeiro milagre, o que enfraqueceu a conclusão da narrativa. O epílogo, além disso, foi decepcionante e não acrescentou à história, deixando um final aberto que não foi justificado e com algumas pontas soltas.

Influência do estilo coreano

O final esperançoso e um tanto fantasioso pelo que eu andei lendo faz parte do estilo dos doramas, sendo que não sou uma consumidora deste estilo. Este livro foi meu primeiro contato com a literatura sul-coreana. Mas, isso não muda minha opinião quanto ao final abrupto e com resolução fácil para problemas complexos.

O crime compensa?

No imaginário popular, alguém incapaz de sentir emoções poderia ser facilmente associado ao crime, certo? Errado. Mesmo sem entender os sentimentos como a maioria das pessoas, Yunjae não se aproxima do perfil de um criminoso. Ele foi criado em um lar inicialmente disfuncional, mas cercado de amor, o que foi crucial para moldar sua moralidade e suas ações.

Por outro lado, temos Gon, que sente intensamente e vê essas emoções como uma fraqueza. Ele acaba entrando no mundo do crime, não por falta de sentimentos, mas por ser vítima das circunstâncias sociais que o marginalizaram. É interessante observar como o estigma social e o preconceito associado ao passado de Gon o seguem, mesmo quando ele tenta mudar de vida.

A sorte desempenha um papel enorme em toda a injustiça do mundo. Ainda mais do que você esperaria.

Essa dualidade entre os dois personagens – um incapaz de sentir, outro que sente demais – gera uma tensão narrativa poderosa. Ambos são vistos como “monstros” pela sociedade por fugirem das normas sociais: Yunjae, por sua frieza, e Gon, por seu passado violento.

Talvez seja porque você é especial. As pessoas simplesmente não suportam quando algo é diferente.

No entanto, a verdadeira crueldade muitas vezes é revelada por outros personagens, que, apesar de serem considerados normais, demonstram um comportamento muito mais próximo da psicopatia.

Esta história é, em resumo, sobre um monstro encontrando outro monstro. Um dos monstros sou eu.

O ponto é que essas questões foram apenas levemente abordadas, o próprio Gon, em determinados momentos, desperta muito mais interesse no leitor do Yunjae e fica a sensação de que se a história fosse escrita por ele, teria muito mais camadas.

Não existe tal pessoa que não possa ser salva. Existem apenas pessoas que desistem de tentar salvar os outros.

Conclusão

Amêndoas” é uma obra que oferece uma reflexão interessante sobre a construção social do crime e as complexidades emocionais da adolescência. Ao compará-lo com “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, é possível perceber uma abordagem diferente sobre o que leva uma pessoa ao crime. Enquanto no clássico russo há uma profunda exploração psicológica do criminoso que se vê como excepcional, em “Amêndoas” o crime é tratado como resultado das circunstâncias sociais e da falta de oportunidades.

No final das contas, uma das frases do epílogo do livro, embora pouco justificado, resume bem o tema central da obra:

Por fim, e sei que parece uma desculpa, mas nem você, nem eu, nem ninguém pode realmente saber se uma história é feliz ou trágica.