Propósito, Arte e Escrita: O Que Realmente Nos Move?
2025-07-10/
Depois de ler O idiota, entrei em uma ressaca literária e achei interessante ler um livro de não ficção, que rendeu este post.
O livro “Por que fazemos o que fazemos?” do filósofo Mario Sérgio Cortella, aborda de uma forma muito interessante o que move alguém em uma carreira ou na vida.
Segundo Cortella, fazemos o que fazemos por sermos movidos por um propósito. Da mesma forma, deixamos de fazer certas coisas quando há ausência ou perda de propósito.
O que seria o propósito?
É tudo aquilo que se pretende alcançar ou realizar, e isso se aplica tanto na vida pessoal como na profissional. Ou seja, aquilo que nos coloca em movimento, aquilo que nos motiva.
Quem está motivado faz mais do que a obrigação, isto é, tem a obrigação como ponto de partida e não de chegada — Mario Sérgio Cortella
Nem sempre o que nos move (propósito) é claro — e quanto menos claro, mais difícil é manter a motivação.
As segundas-feiras se tornam tediosas, a espera pela sexta vira uma meta ansiosa; o final de semana parece rápido demais e pouco produtivo, mesmo que, paradoxalmente, essa seja sua essência.
O propósito pode ser algo simples, como ganhar dinheiro, ou algo mais complexo, como buscar reconhecimento.
De toda forma, segundo Cortella qualquer um se torna desmotivado quando não tem o seu trabalho ou propósito reconhecido:
A principal causa da desmotivação é a ausência de reconhecimento. Quando o profissional não é objeto de gratidão pelo que faz
Quando falamos de arte e literatura, isso ganha um terreno ainda mais espinhoso. O que seria o não reconhecimento na arte?
A arte está profundamente ligada à subjetividade, ou seja, ao sujeito. De um lado, temos o sujeito ativo: o artista. Do outro, o sujeito passivo: o público. E sem o público, o artista deixa de existir — existe apenas um aspirante, um sonho ou um delírio.
Nesse ponto de encontro entre artista e público, há mais do que talento ou propósito. Há tantas outras camadas: emoções, contextos, experiências, dúvidas, angústias, inseguranças.
Existe uma rotina pesada nos bastidores. Mas aqui entra outro ponto do Cortella, há uma diferença crucial entre rotina e monotonia, sendo que:
Seja na relação afetiva, seja na relação de trabalho, você é distraído quando é capturado pela monotonia. Por isso, a monotonia é o principal adversário da motivação.
E qual a diferença?
Na rotina, você aceita o processo de fazer como parte necessária ao seu propósito e há até um certo prazer. A monotonia é quando aquilo é feito apenas pelo fazer, porque não há propósito. E aqui vai uma provocação de Cortella:
“As pessoas procrastinam porque não querem o sonho. Querem o delírio.”
Muitas pessoas dizem sonhar em escrever um livro. Mas será que querem realmente o sonho, com tudo o que ele exige, ou apenas o delírio que o cerca? O delírio de ser reconhecido, de ter a obra aplaudida, de viver o imaginário romântico do autor inspirado.
A ideia de que qualquer um pode — ou deveria — escrever um livro nasceu no Humanismo, quando o foco saiu do divino para o ser humano. Surgiu então o conceito de autoria, de expressão individual, e junto dele, o desejo de reconhecimento. Essa busca por deixar uma marca no mundo é algo belo e essencial na arte.
Mas há equívocos ao longo desse caminho. Quem escreve apenas para registrar emoções ou experiências pessoais está, muitas vezes, criando um diário, e não necessariamente uma obra de arte. Hoje, esse ideal floresce em um terreno fértil: redes sociais, blogs, autopublicação e inteligência artificial. Tudo convida à expressão, mas nem sempre à criação artística.
Antes, as editoras funcionavam como um filtro importante. Hoje, com a democratização da publicação, essa barreira caiu. Isso é positivo, mas alimenta a fantasia de que basta escrever para ser escritor. E não basta.
Com máquinas capazes de produzir romances inteiros, fica a pergunta: o que ainda resta ao escritor? Entramos num campo minado: o que torna uma obra verdadeiramente humana? Talvez tudo aquilo que ainda não conseguimos automatizar: alma, espírito, propósito.
Pouco se fala sobre o desgaste real de seguir esse sonho. Sobre a entrega que a arte exige, sobre o quanto se abdica de estabilidade, conforto, tempo e até da sua vida pessoal. Muitos veem a escrita como hobby, e talvez por isso surja a dúvida: por que alguém dedicaria tempo e dinheiro para ler algo que, para o próprio autor, é apenas passatempo?
Para não falarem que fui unilateral, agora trago uma outra visão (da Clarice Lispector) sobre o assunto, aqui. E abordo a aparente contradição de visões.
Sim, há um sonho genuíno em muitos corações que desejam escrever um livro. Mas esse sonho frequentemente vem carregado de delírios: o de que será indolor, o de que o mundo celebrará o autor apenas por ter escrito, o de que o sucesso virá sem esforço, sorte ou investimento — tudo isso num mundo onde as pessoas leem cada vez menos.
E a motivação vai embora, sobra procrastinação. Por quê?
Uma parte da procrastinação tem como fonte maior a ideia de que eu não quero realizar, mas apenas desejar que algo fosse assim. Como não será, não posso dar um passo naquela direção.
Há pessoas que procrastinam porque elas desejam o delírio e não o sonho. O sonho é o desejo factível e o delírio é o desejo não factível.
No fim, o que resta ao artista é o propósito: por que você escreve? O que você se recusa a escrever? Que legado deseja deixar?
Sei que estou longe de escrever o que “vende fácil”. E tudo bem. Prefiro não escrever do que trair o que me move. Nem todos coadunam dessa visão, percebe?
Acontece que quando você trai seu propósito, pode até ganhar: dinheiro, fama, aplausos. Mas algo se quebra por dentro. E esse vazio, nenhuma conquista preenche. A motivação vai embora.
Talvez muitos estejam realmente delirando. E o delírio não é uma fantasia? Então no próximo post vou trazer um resumo de um ensaio que li de Freud em que ele faz uma ligação entre o escritor e infância (a origem da fantasia).