Ninguém mais compra livros?
Uma perspectiva do mercado editoral dos Estados Unidos e do Brasil
O que acontece quando duas grandes editoras dos Estados Unidos têm sua fusão frustrada por uma decisão judicial? O que isso nos ensinou sobre o mercado editorial norte-americano? Seria a mesma realidade dos brasileiros?
Em 2022, a fusão esperada entre as editoras Penguin Randon House e Simon & Schuster sofreu uma revesse judicial. Um juiz bloqueou a compra da Simon& Schuster alegando monopólio, impedindo a transação de US$ 2,2 bilhões. As duas editoras juntas correspondiam a 48% do mercado literário dos EUA. Essa decisão desencadeou uma reação no mínimo curiosa, levando diversos chefes de editoras e agentes literários a trazer importantes informações sobre os bastidores do mercado editorial dos Estados Unidos para dentro de um tribunal.
E aqui vão alguns dados interessantes revelados pelos grandes nomes da indústria editorial.
Quase a totalidade dos adiantamentos vai para livros de celebridades ou autores de franquia
Adiantamento significa o dinheiro antecipado que os autores recebem para produzir um livro que será vendido por uma editora específica. Bom, a divisão desses adiantamentos não é muito justa, como muita gente deve pensar, mas a verdade é no mínimo curiosa. Como esperado autores de franquia como James Patterson recebem maiores adiantamentos. Mas uma parte ainda mais considerável vai para livros de celebridades como Britney Spears.
Sim, você deve estar pensando que quem costuma escrever esse livro são os ghostwriters (escritores fantasmas) e o valor recebido por eles é pequeno perto do adiantamento para as celebridades, você está certo. Isso significa que os autores, de fato, ganham menos adiantamentos do que se pensava.
O cenário parece ruim?
Bom, eles também vendem muitas bíblias e repetem best sellers como Senhor dos Anéis ou ilivros infantis como A lagarta muito comilona de Eric Carle.
96% dos livros do mercado estadunidense vendem menos de 1000 exemplares.
Apenas 50 autores vendem mais de 500.000 exemplares anualmente, enquanto 96% dos livros vendem menos de 1.000 exemplares. São os livros de celebridades junto com títulos como a Bíblia que financiam livros com menor sucesso comercial.
“Todos os anos, entre milhares de ideias e sonhos, apenas alguns chegam ao topo. Então eu chamo-lhe o Vale do Silício da mídia. Somos investidores anjos de nossos autores e seus sonhos, suas histórias. É assim que eu chamo meus editores: anjos … É antes essa ideia do Vale do Silício, você vê que 35% são lucrativos; 50 em uma base de contribuição. Cada livro tem a mesma probabilidade de sucesso.
— Tradução livre de Markus Dohle, CEO da Penguin Random House
Ninguém sabe quanto um livro vai vender. As editoras fazem apostas, já sabendo que irão produzirem muitos livros com poucas vendas esperando um livro que seja um sucesso que vai cobrir a pouca vendagem de todos os outros. E isso acontece uma vez a cada 10 anos, em média.
Para citar exemplos: Crepúsculo, Cinquenta tons de cinza e os romances de Collen Hoover são as máquinas de imprimir dinheiro dessas editoras.
Mais do que isso, são esses livros que fazem os leitores irem para as livrarias.
Adiantamentos volumosos apenas para celebridades e alguns poucos escritores
Autores de alta venda foram definidos como aqueles que receberam adiantamentos (ou seja, dinheiro garantido) superior a US $ 250.000. Muito menos de 1% dos autores recebem adiantamentos sobre essa marca; Publishers Marketplace, que rastreia essas coisas, registrou 233 desses negócios em todo o ano de 2022.
— Tradução livre de Ken Whyte, da Editora Sutherland HousePor serem tão lucrativas, o Gallery Books Group concentra seus esforços em tentar fazer com que as celebridades escrevam livros. Para se ter uma ideia as biografias dos Obamas venderam tanto que nem entraram nas estatísticas, pois são consideradas anomalias.
Tivemos muitos músicos de publicação de sucesso, mencionei Bruce Springsteen. Também publicamos Bob Dylan e Linda Ronstadt, muitos artistas ao longo dos anos… Havia um escritor político, Ben Shapiro, que tem um podcast muito popular e um grande número de seguidores. Também competimos com a HarperCollins por isso.
— Tradução livre de Jonathan Karp, CEO da Simon & Schuster
Mas mesmo livros de celebridades não vendem…
Se vender biografias parece ser a fórmula do sucesso, saiba que até mesmo isso não é garantia de vendas. Exemplos de celebridades que não deram tanto dinheiro:
A cantora Billie Eilish, apesar de seus 97 milhões de seguidores no Instagram e 6 milhões de seguidores no Twitter, vendeu apenas 64.000 cópias dentro de oito meses após a publicação de seu livro. O cantor Justin Timberlake vendeu apenas 100 mil cópias nos três anos depois de publicar seu livro. O livro de receitas de Snoop Dog viu um impulso durante a pandemia, mas ele ainda vendeu apenas 205 mil cópias em 2020.
Editoras querem um público garantido
A vantagem de publicar livros de celebridades é que eles têm um público embutido, pois um grande público significa menos esforços em marketing. Entretanto, se surpreenda como as próprias editoras não esperam um número extraordinário de vendas.
Os adiantamentos da primeira categoria (valores de U$ 500 mil doláres ou mais) tem uma expectativa de apenas 75 mil cópias vendidas ou mais.
Enquanto o menor adiantamento (50 mil doláres ou menos) tem uma venda estimada de 5 mil a 10 mil cópias vendidas por livros.
— Tradução livre de Markus Dohle, CEO da Penguin Random House
Ao que tudo parece, editoras não sabem fazer marketing efetivo
Os números de vendas não parecem muito pequenos? Então, você deve estar pensando que editoras não sabem ou não querem fazer marketing de livros e essa parece ser uma realidade. Eles esperam que os autores já tenham todo um público estabelecido para patrociná-los ou autores que já entendem e tem toda uma estrutura de marketing para chegarem onde estão.
Q. Quem é o autor mais vendido da Simon & Schuster atualmente?
A. A. (em inglês). Agora é a Colleen Hoover.
Q. Ela tem o maior orçamento de marketing que a Simon & Schuster paga?
A. A. (em inglês). – Não. – Não.
Q. – Porque é isso?
A. A. (em inglês). Ela é a rainha do TikTok, e então ela tem um grande número de seguidores no TikTok.
— Tradução livre de Jonathan Karp, CEO da Simon & Schuster
Reimpressões são grande parte da receita
Se livros novos são um risco oportunidade, as editoras fazem parte de suas receitas com livros de apoio: livros de sucesso consolidado pelo tempo, as famosas reimpressões.
Brian Murray, CEO da HarperCollins, a aponta que sua lista de backlist inclui bíblias (um negócio de US $ 80 milhões), livros para colorir, dicionários, enciclopédias, livros de truques de mágica, calendários, quebra-cabeças e guias de estudo SAT. Além de best-sellers perenes como Dom Quixote, Carrie de Steven King e O Senhor dos Anéis de Tolkien – esses livros continuam a vender ano após ano.
Fator nostalgia é importante motriz de vendas
Livros infantis populares têm vendas garantidas.
Os livros infantis representaram 27% das vendas da PRH em 2021. Isso é cerca de US $ 725 milhões – aproximadamente o dobro do tamanho da divisão comercial da Scholastic, e mais ou menos igual por conta própria a toda a Macmillan ou HBG.
A Amazon é vista como grande ameaça às editoras
O serviço do Unilimited da Amazon permite o acesso a quantos livros um leitor quiser ler a um preço fixo por mês. E essa é a razão das cinco maiores editoras se recusarem a por seus livros. Simples: se os livros mais vendidos estiverem nessas plataformas, ninguém mais compraria livros. Não é muito diferente do que aconteceu com a indústria de música com a chegada do Spotify, por exemplo.
Nenhum livro é encontrado no Kindle Unlimited? Porque você acha que isso será tido pela indústria?”
A. A. (em inglês). Achamos que vai destruir a indústria editorial.
— Tradução livre de Markus Dohle, CEO da Penguin Publishing House
O que pode significar que as editoras morreriam, mas talvez mais livros dos autores seriam lidos?
Autores optam cada vez mais por serem independentes
A categoria romance de época é dominado por autores independentes na Amazon. A própria Coolen Hoover começou assim.
A ideia de evitar intermediários se popularizou junto com a internet.
Há um autor best-seller do New York Times na categoria de ficção científica e fantasia. O nome dele é Brandon Sanderson. Acredito que ele foi publicado pela Macmillan e pela Penguin Random House. Ele acessou o Kickstarter e anunciou que ofereceria quatro de seus romances a qualquer pessoa que os quisesse, se quisesse doar ao Kickstarter. E ele arrecadou mais de US$ 42 milhões…
— Tradução livre de Jonathan Karp, CEO, Simon & Schuster.
As editoras estão fechando as portas
Depois da decisão judicial, houve demissão em massa na a Simon & Schuster que foi vendida para uma empresa private equity, que basicamente consiste em comprar uma empresa falida para vendê-la com lucro.
E o cenário brasileiro seria diferente?
Mesmo sem acesso aos bastidores das editoras brasileiras (e não estamos falando de prestadoras de serviços que se autointitulam como editoras) podemos trazer muitos paralelos. São 25 milhões de consumidores no mercado nacional, de acordo com o “Panorama do Consumo de Livros”.
Em 2023, uma pesquisa da Câmara Brasileira do Livro realizada pela Nielsen BookData trouxe em primeira mão um importante panorama da realidade de vendas de livros no Brasil, aqui estão alguns dados:
E a realidade não é muito diferente: Lemos muito pouco
Apenas 16% da população brasileira é consumidora de livros e o preço é apontado como principal fator desmotivador. Mesmo entre os mais ricos, o livro é visto como caro.
O papel dos influenciadores também é significativo
Entre os fatores que influenciaram a última compra desses consumidores, aparecem em primeiro lugar, entre livros impressos: tema ou assunto, preço, título do livro e autor(a). Recomendações do círculo social aparece em primeiro lugar, seguido do influenciador digital. A imprensa nem consta na lista.
Não muito diferente dos EUA, a indústria editorial tem a maior parte do seu volume em reimpressões
Dos 46 mil títulos editados em 2021, 76% eram reimpressões, o que representou uma queda de 17,4% no total de novos títulos. O setor produziu 314 milhões de exemplares no total, sendo apenas 18% de lançamentos. Esses números foram divulgados pela pesquisa ‘Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro’, realizada pela Nielsen Book, com coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Podemos visualizar melhor o cenário com o slide abaixo, que faz comparação entre os anos de 2021 e 2022:
As editoras brasileiras optam por livros estrangeiros e quando investem em um autor nacional procuram por celebridades ou autores que já tenham público estabelecido
Uma fala de Carlos Carrenho, proprietário do website Publishnews, deixa bem claro as similaridades: é arriscado para editoras lançar um autor que não tenha uma plataforma anterior, como uma celebridade, por exemplo. Por isso, elas preferem vender livros que já venderam milhões de exemplares no exterior.
Podemos perceber que a realidade não é muito diferente, principalmente se considerarmos que são poucas as editoras no Brasil que apostam em autores nacionais. Basta visitar alguma livraria (se ainda existir alguma em sua região) para ver que elas são dominadas pelos best sellers internacionais. Ou melhor ainda, basta verificar o ranking dos mais vendidos da Amazon, que atualiza de hora em hora.
Muitas semelhanças
As semelhanças entre a indústria editorial norte-americana e brasileira são nítidas: ambas apostam em segurança, concentrando-se em autores conhecidos e títulos consolidados para garantir vendas. Isso significa que há pouco espaço para diversificação de mercado, o que favorece a autopublicação como alternativa viável para autores menos conhecidos alcançarem seu público. No entanto, mesmo assim, a Amazon é vista como uma ameaça às editoras. Isso nos leva ao questionamento: por quanto tempo mais as editoras irão sobreviver? Isso seria bom ou ruim?”