Saúde Mental

Opinião: Viver de escrita pode ser adoecedor

Esse post saiu como uma reflexão de uma escritora experimentando a ansiedade em se enveredar pelo caminho de se tornar uma autora, ou seja, uma escritora que publica o quê escreve.

Escrever é um ato apaixonado, solitário e de resistência e embora muitos escritores sejam introvertidos, isso não significa que estejam isentos de sofrer de estresse e outros problemas de saúde mental, principalmente quando decidem publicar ou viver da escrita.

Acredito que escritores são quase sempre movidos por paixão. Não é fácil decidir ganhar dinheiro escrevendo, mas há algo interno pulsando que traz a sensação de que devo escrever: essas palavras, emoções e histórias precisam ir para um papel. Para alguns é também uma forma de lutar contra alguma doença mental como ansiedade e depressão. Inclusive, vários psicólogos recomendam o uso do diário para as pessoas como uma forma de autoconhecimento e de extravasar as emoções. 

De forma instintiva, sempre usei a escrita como uma forma de extravasar as minhas emoções, tentando entendê-las e por isso mesmo publicar não passava pela minha cabeça. Mas um escritor profissional não escreve apenas para extravasar. É uma necessidade que apenas quem conhece, entende: a necessidade de se retirar do mundo exterior e se afundar no mundo interior inabitado e inexplorado, trazendo de volta ao mundo externo algo único, seu e que talvez faça muito sentido para o outro.

Platão dizia que a criatividade de um escritor era resultado de forças irracionais, incontroláveis ​​e avassaladoras. Isso soa familiar? Para mim, sim.

Essa é a verdade: escrever é um ato de solidão. Isso não significa que um escritor seja um eremita, recluso, que toma café amargo e fuma. Mas sim alguém que aprecia as horas solitárias em mundos à parte de personagens, cenas e histórias. Assim palavras surgem e depois frases, depois páginas e páginas.

Bem, como qualquer outra profissão, qualquer um que se prontifique a fazer de escrever um ofício pode sofrer com várias questões que podem afetar sua saúde mental. É inevitável pensar em como evitar se sentir sobrecarregado como um autor independente?

Vejamos algumas questões que podem afetar a saúde mental de escritores e como mitigá-los:

  • Escala
  • Necessidade de gerenciar foco
  • Solidão
  • Tempo
  • Rejeição e crítica

Escala

Livros são longos, contendo milhares de palavras. O que se pode perder de vista é quantas palavras não aparecem aos olhos dos leitores. Do volátil primeiro rascunho à primeira, segunda, terceira e “n” edições, muito trabalho de escrita foi descartado. Qualquer pessoa que escreve sabe: escrever é um eterno reescrever.

 Um livro de 70 mil palavras teve facilmente mais de 200 mil palavras digitadas, parece muito? E é, pode ser muito mais, nunca contei as palavras que descartei, só as que guardei.

Em média, um livro leva um ano para estar pronto. Fazendo os cálculos fica fácil perceber como escrever é trabalhoso.

Uma quantidade enorme de trabalho: escrever, editar, revisar, planejar, pesquisar. Muitas vezes limitados pelo tempo ou por um calendário a cumprir.

Fica fácil perceber que isso coloca um pouco de pressão sobre os ombros. Do lado oposto do espectro tem aqueles que estão lutando contra a procrastinação, o que também pode gerar muitos sentimentos negativos. Estando em um ou no outro extremo do desvio padrão há uma certa dose de estresse que se faz necessário administrar.

Necessidade de gerenciar foco

Enquanto muitos escritores lutam com a falta de foco, para muitos o excesso de foco pode ser um problema (eu me encaixo aqui). Com tantas ideias na cabeça para escrever é fácil ficar obcecado.

Outros podem ficar obcecados por metas irrealistas após a empolgação de romper a procrastinação.

Saúde mental para escritores significa poder se afastar dos projetos sempre que necessário (e não vale ficar pensando nele enquanto não escreve, o que pode ser bem difícil em um período criativo) ou aprender desenvolver a disciplina para ser capaz de escrever com foco.

Solidão

A escrita sempre será uma atividade solitária, por isso temos que encontrar maneiras de evitar o estressor da solidão. Para alguns pode ser participar de comunidades com outros escritores, fazer exercícios ou mesmo estabelecer dias de folgas.

Tempo

Escrever consome muito tempo. Não há como contornar isso. Mesmo poucas páginas podem levar horas, dias, semanas ou mais (dependendo do escritor) para ser escrita.  Encontrar tempo para escrever pode ser estressante. Alguns sacrificam sono e exercícios, o que também aumenta o nível de cortisona (e consequentemente o estresse) envolvido na atividade. Aprender a gerenciar tempo e desenvolver uma rotina pode ser muito benéfico para isso.

Rejeição e crítica

Escrever é em essência um exercício de rejeição, antes mesmo que alguém leia o que escrevemos já rejeitamos parte do que já foi escrito (lembra que reescrever e escrever andam juntos?)

Além das possíveis críticas vindo de leitores ou de um insucesso de vendas, a verdade é que existem muitas outras possibilidades de rejeição antes mesmo do seu estimado trabalho estiver público: a autocrítica e o perfeccionismo, ou uma avaliação negativa de um leitor beta, ou de uma leitura crítica, ou mesmo não sendo selecionado em um concurso, sendo rejeitado por uma editora. Pensar nessas possibilidades pode ser paralisante.

Rejeição é algo que dói e muitas vezes vem com a crítica, que traz um sentimento de talvez você não seja bom o suficiente, o que gera medo de uma rejeição iminente ou sentimento de ser inadequado, podendo minar a confiança em continuar escrevendo.

Aprender a ouvir muitos não faz parte. Assim como aprender a diferenciar uma crítica construtiva de críticas esvaziadas ou de uma questão de opinião. É necessário ganhar uma casca-grossa ao decidir publicar, o que pode ser bem estressante. 

Essa talvez seja a parte mais difícil de lidar: aprender a gerenciar expectativas. Eu sei que é difícil controlar a ansiedade quando você decide compartilhar seus escritos com o mundo. 

Sonhar com um grande sucesso, com as pessoas amando seus personagens é algo que todo escritor, no fundo, sonha, mas o fato é que isso pode não acontecer. Ainda não sei se meu sonho será ou não um dia realidade, mas estou ciente de que talvez não se torne.

Bom, cada leitor conquistado já é uma vitória, é um incentivo para continuar tentando, já que provavelmente você escreve porque não se vê fazendo outra coisa por mais que o caminho seja espinhoso.