Escrevemos melhor na dor ou na felicidade?

Será que os melhores livros nascem do desespero ou da euforia?
Não é novidade que a linguagem é uma das ferramentas mais poderosas da humanidade. E a escrita, em especial, é uma forma incrível de expressar emoções: ela pode até moldar nosso humor, nosso estado afetivo e a forma como pensamos.


No imaginário popular, a imagem do escritor já é bem conhecida: aquele homem barbudo, solitário, sentado numa bancada com uma máquina de escrever, fumando e bebendo café… ou talvez algo mais forte. Al-cooool…
Ou então aquele mesmo barbudo, mas com cara de poucos amigos, escrevendo algo profundo como:
“Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira…”
Pois é, a ideia de que grandes obras nascem da infelicidade é bem forte no imaginário coletivo.



E não é à toa. A lista de autores geniais que lidaram com depressão — ou até tomaram medidas extremas para “ir para o andar de cima” — é longa: Virginia Woolf, Camilo Castelo Branco, Florbela Espanca, Yukio Mishima, Ernest Hemingway…
Mas isso é só parte da história. E a ciência tem até alguns dados que apoiam essa visão.
O psicólogo Joseph Forgas, por exemplo, escreveu em 2009 que:
“Um humor levemente negativo pode, na verdade, promover um estilo de comunicação mais concreto, mais realista e, no fim das contas, mais eficaz.”



Segundo ele, pessoas tristes cometem menos erros de julgamento, são mais resistentes a distorções da memória e menos propensas a se sabotar com estratégias disfuncionais.
Aí você que é escritor pode estar pensando:
“Então quer dizer que minha felicidade é o motivo do meu bloqueio criativo, Josi?”
Calma, respira… Mas olha, tem gente que diria exatamente isso.



E aquele velho clichê: os melhores comediantes são, no fundo, muito tristes, também pode ser uma verdade e você vai entender melhor se continuar lendo.
O próprio Forgas conclui:
“Tarefas que exigem pensamento mais concreto, focado e situacional podem ser melhor executadas em estados de ânimo levemente negativos.”
Eu sei, parece que o nosso cérebro está de sacanagem com a gente, né?
Mas o que acontece na nossa mente pra isso fazer sentido?
Uma possível explicação é que a tristeza nos leva à autoanálise.
Sabe aquelas perguntas que ficam ecoando:
Por que eu me sinto assim?
O que está acontecendo?
Por que não consigo aquele emprego?
Por que ele/ela não gosta de mim?
Por que eu fiz aquela m…?



É escrever sobre sentimentos ruins pode ser catártico. Desabafar, mesmo que seja por motivos mesquinhos, pode ser extremamente terapêutico.
Já a felicidade… é tão plena que a gente só vive. E quando a gente só vive, não reflete tanto.
Agora vem uma parte muito interessante:
Um estudo pequeno comparou textos escritos por pessoas saudáveis e pessoas com depressão. O objetivo era que as pessoas escrevem sobre suas próprias experiências, fossem elas positivas ou negativas. E o resultado do estudo, Minha Tristeza – Nossa Felicidade, foi curioso.
As pessoas sem depressão, quando escreviam sobre experiências negativas, usavam mais palavras negativas (como esperado). Mas também usavam mais palavras positivas e cognitivas ( como “pensar”, “refletir”), ou seja, elas reinterpretavam a situação negativa enquanto escreviam.
Isso não aconteceu da mesma forma com o grupo depressivo.
A conclusão?
Mesmo escrever sobre momentos dolorosos pode nos levar a um lugar de entendimento e até de felicidade.



Esse paradoxo entre tragédia e prazer intriga os cientistas há muito tempo.
Mas então… Por que os leitores escolhem ler algo triste? Por que gostamos de filmes e músicas tristes mesmo quando estamos sentindo tristeza?
Porque elas tocam fundo. Elas ressoam com nossas emoções. Elas soam verdadeiras.
O mais interessante, é que várias pesquisas mostram que quanto mais as pessoas acham a história realista, ou seja, quanto mais se sentem tristes ao ver um filme de tragédia, por exemplo, mais elas se envolvem com a história e sentem mais prazer em assisti-lo.
Parece contra-intuitivo? E é… ao que parece não há uma única explicação.
Uma possibilidade é de que a ficção triste mexe com o nosso coração, mas com menos ansiedade do que uma situação real; já que nos faz olhar para nossa própria vida e pensar de forma mais positiva.
Humm, até que minha vida tem isso de bom!
E isso nos leva ao próximo ponto: passamos também a analisar nossos relacionamentos diante de uma ficção que envolve drama e tragédia.
Pesquisas mostram que quanto mais as pessoas pensavam em seus entes queridos ao assistir um filme de tragédia, maior era o aumento em sua felicidade.
Já aqueles que pensavam mais em si, como “Minha vida não é essa *** – não notaram um aumento em sua felicidade.
Gostamos de histórias tristes porque elas nos ajudam a refletir e a valorizar os laços que temos com quem amamos e relacionamentos é uma grande fonte de felicidade.
E isso nos faz voltar lá no começo: esses resultados condizem com pesquisas em psicologia que sugerem que estados de ânimo negativos tornam as pessoas mais pensativas e com isso mais propensas inclusive a escrever.
A verdade é que quem busca histórias mais tristes ou realistas está muitas vezes em busca de algo mais profundo e transformador. Enquanto quem busca histórias felizes e reconfortantes está, talvez, só querendo uma boa fuga da realidade?




E você?
Já foi grato a uma história triste e comovente?
E se quiser me acompanhar no próximo post, vou falar sobre como a dor é usada na ficção.
Até a próxima!