Literatura com psicologia

Musashi de Eiji Yoshikawa e o despertar do guerreiro que existe dentro de nós: análise psicológica

Musashi, de Eiji Yoshikawa, não é apenas um romance sobre um samurai lendário; é uma jornada de autodescoberta e crescimento pessoal que ressoa através dos tempos. Escrito entre 1935 e 1939, o livro mistura ficção e não-ficção, levando os leitores a conhecer o coração do Japão medieval enquanto seguimos Musashi em sua busca pelo autoconhecimento e maestria no caminho da espada.

A parte mais impressionante desse livro é a força do que Jung chamou de inconsciente coletivo. Uma história de uma cultura diferente, em uma época remota, que ainda encanta leitores com suas as lutas, fracassos, tragédias, autorreflexões e crescimento vivenciados pelos personagens.

Uma história cujo enredo não se baseia no conflito — típico das narrações modernas ocidentais—, mas sim na trajetória de Takezo (conhecido como samurai Musashi).

Em termos de narrativas, vemos claramente a jornada do herói em seu desenvolvimento, mas o aspecto mais poderoso desse livro, em minha opinião, está no uso do arquétipo do guerreiro em todas suas dimensões. Se elas fossem usadas em um só personagem, acredito que Takezo seria mais tridimensional, mas ao longo de toda a narrativa temos contato com arquétipos poderosos como o da mãe e do guerreiro.

Este livro de mais de mil páginas (o que pode assustar) está entre os mais vendidos do mundo, com mais de 120 milhões de cópias. Então, vamos nos ater à parte psicológica que vem encantando leitores ao longo dos séculos.

Não se preocupe, não darei spoilers neste post!

Arquétipo do guerreiro aliado ao homem comum

Aqui, o chamado Caminho da Espada se cruza com as filosofias budistas. A ideia central do livro se refere ao caminho e à maneira de percorrê-lo. Como assim, Josi?

Todos nós trilhamos caminhos únicos, desejamos conquistas e temos objetivos, mas só seremos capazes de alcançá-los com base em nossas ações. A maneira como decidimos caminhar determina nossos resultados. O aprendizado contínuo e a autodisciplina só nos levarão a algum lugar se estivermos no caminho certo. E nem sempre sabemos qual deve ser esse caminho, mas sempre podemos mudá-lo se aquilo perdeu sentido para nós. Então, no fundo, o caminho está na busca por significado e sentido para a vida.

Acabo de me dar conta de que esse é um dos temas do meu segundo livro, que em breve lançarei.

Voltando ao assunto: o caminho é aquilo que faz sentido para alguém em determinado momento e as ações que tomamos ao longo dele. Fica óbvio que Musashi decidiu pela espada, pelo lutar. Ele é a personificação do lado bom do guerreiro: coragem, força, iniciativa, resistência, honra, competência e autossuficiência.

Essa autossuficiência me irritou em alguns momentos do livro, devo dizer. Gostaria de ter visto mais vulnerabilidade nele, que entre a espada e o coração, ele seguisse, às vezes, mais seus instintos. Mas ele era tão focado em seu próprio caminho que, algumas vezes, seu egoísmo era irritante.

Mas não é bem assim o tempo todo. Antes de se tornar o guerreiro que conhecemos, Musashi precisa aprender a lição fundamental de qualquer herói: o caminho da humildade. À medida que avança em seu autoaperfeiçoamento, Musashi acaba encontrando seu maior inimigo, Sasaki Kojirō (também conhecido como Ganryū Koji). No lado sombrio de seu arquirrival, vemos o ego inflado e soberbo, a violência, a agressão, o desejo de dominação que leva à tirania e ao fanatismo, a dificuldade em lidar com a derrota e a obsessão pela vitória.

Enquanto Musashi se concentra em seu próprio caminho, a sociedade o observa principalmente por meio de suas vitórias. No entanto, acredito que são seus fracassos que revelam com mais clareza como a opinião pública pode ser às vezes cruel e enganosa sobre os caminhos de alguém.

Essa frase do livro foi a que mais me impactou na história toda e mostra bem a diferença entre o pensamento ocidental e oriental:

Mas também não nasceu com dom. Nada nele lembra a displicência do gênio que confia cegamente em seu talento. Mestre Musashi sabe que é um homem comum e por isso se empenha incessantemente em polir suas habilidades. A agonia por que passa só ele sabe. E quando em um determinado momento, essa habilidade alcançada com tanto custo, explode em cores, o povo logo diz que a pessoa tem aptidão natural. Aliás, é a desculpa que os indolentes dão para justificar a própria incapacidade.”

Com essa frase, fica claro que um guerreiro nada mais é do que um homem comum que escolheu que seu caminho deve ser lutar por seus ideais. No Japão medieval, encontramos isso na figura do samurai; na vida moderna, vemos nos ativistas, nas pessoas comuns com suas labutas, que estão constantemente buscando melhorias em suas vidas, deixando de lado a vitimização.

A injusta invisibilidade de Otsu

De certa forma, acredito que há uma injustiça com a personagem fictícia Otsu, que também encarna o arquétipo da guerreira. Embora não lute no campo de batalha, sua força interior e resiliência a tornam, na minha opinião, a personagem mais tridimensional da história.

Enquanto a força de Musashi é visível e tangível, a de Otsu é mais sutil, mas igualmente poderosa. Sua habilidade de enfrentar perdas pessoais, traições e manter-se fiel aos seus princípios é um exemplo notável de resiliência. Otsu demonstra coragem ao seguir seus ideais, mesmo diante da desaprovação social.

Sua luta é interna; ela se resigna a ser apenas uma sombra das pessoas que ama e deseja proteger. Otsu personifica a batalha que todos enfrentamos em algum momento da vida: a luta com nossas próprias sombras, a repressão de desejos para fazer o certo e a resistência contra as dificuldades. Ela transforma sua luta interna em um sentido para a sua vida, dedicando-se a ela com todas as suas forças, sem deixar de seguir o caminho da humildade.

Além disso, ao considerar que as mulheres eram (e ainda são) muitas vezes invisibilizadas, esquecemos que o arquétipo do guerreiro se enriquece quando se integra com outros aspectos da psique.

Conclusão

A jornada de Musashi, Yoshikawa mostra que a busca por significado e propósito é universal. E, como Musashi, podemos descobrir que o verdadeiro guerreiro dentro de nós é um homem comum que escolhe lutar por seus ideais com coragem e perseverança. Fica claro que qualquer caminho de sucesso exige esforço. O talento, claro, torna as coisas mais fáceis, mas sozinho não determina os resultados.

O que você está fazendo hoje para se tornar quem deseja ser amanhã?