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Kafka e a Carta ao Pai: Uma leitura íntima sobre a dor de ser Filho
Antes de começar esta análise, imagine comigo: de um lado, um pai totalmente voltado à lógica e à realização: um homem de pés no chão. Do outro, uma criança sensível, emotiva, sonhadora (e que viria a se tornar um dos maiores escritores do século XX). Percebe o abismo entre o que um pode oferecer e o que o outro precisa receber? Esse abismo (intransponível, doloroso e silencioso) foi escrito por Kafka em uma carta de quase cem páginas. Caro Kafka, Não o julgo culpado por ter escrito uma carta tão dura ao seu pai e ele nunca a tenha lido, pois sua mãe impediu que a carta chegasse ao destinatário,…
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Literatura como Espaço de Desejo: Entre o Leitor e o Livro
Outro dia, esbarrei com essa ideia circulando pelas redes: “Sentir sono ao lado de alguém é sinal de amor.” A frase me pegou de jeito — não tanto pela curiosidade científica, mas pelo que ela sugere: que há segurança, intimidade e entrega quando o corpo relaxa ao lado de alguém. E se esse alguém não for uma pessoa, mas um livro? Ou um personagem? Ou uma história? Foi com isso na cabeça que criei a tirinha (usei IA, já que o desenho não é meu forte, e meu blog não tem fins comerciais). Nela, o sono não surge só como sinal de amor, mas talvez como entrada num mundo de…
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Propósito, Arte e Escrita – Parte 2: Entre a Liberdade e o Compromisso
Para Clarice Lispector, a motivação para escrever é a liberdade — ou seja, a possibilidade de não fazer quando não se quer. Por isso, ela não se declara uma escritora profissional. No momento em que se assume uma obrigação (consigo mesma ou com os outros), perde-se a liberdade. Sentir-se preso, de fato, pode levar à desmotivação, dependendo do propósito de quem cria. No entanto, essa visão de Clarice entra em conflito com um pensamento de Mario Sergio Cortella: “As pessoas procrastinam porque não querem o sonho, querem o delírio.” Ou seja, para ele, muitas vezes falta disciplina para transformar o sonho em realidade. Liberdade criativa x rotina criativa O que…
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Propósito, Arte e Escrita: O Que Realmente Nos Move?
Depois de ler O idiota, entrei em uma ressaca literária e achei interessante ler um livro de não ficção, que rendeu este post. O livro “Por que fazemos o que fazemos?” do filósofo Mario Sérgio Cortella, aborda de uma forma muito interessante o que move alguém em uma carreira ou na vida. Segundo Cortella, fazemos o que fazemos por sermos movidos por um propósito. Da mesma forma, deixamos de fazer certas coisas quando há ausência ou perda de propósito. O que seria o propósito? É tudo aquilo que se pretende alcançar ou realizar, e isso se aplica tanto na vida pessoal como na profissional. Ou seja, aquilo que nos coloca…
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Como funciona a publicação de um livro?
Eu sei, você passou meses escrevendo, colocou o último ponto final e acha que seu livro está pronto para ser publicado, certo? Errado. O processo de publicar um livro, quando se pensa realmente em entregar algo de valor para o leitor, é lento, dispendioso (caro, se for feito da forma mais correta) e trabalhoso. Vai muito além de um primeiro rascunho, porque é isso que se tem em um primeiro momento. Vamos por partes. A primeira coisa é o seu rascunho passar por um leitor beta. Leitores betas são como um test drive do seu livro. É um leitor que vai ler e passar suas impressões sobre a obra. Costuma…
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Ler O Idiota e me sentir como um
Spoiler: Esse texto é tão fragmentado, frustrante e arrastado quanto a minha experiência lendo O Idiota. A forma segue a sensação. Comecei a ler O Idiota com a expectativa de ser conduzida, mais uma vez, para dentro da mente humana como em Crime e Castigo, de ser arrastada por Dostoiévski para dentro do que há de mais obscuro e verdadeiro em nós. Mas o que encontrei foi uma narrativa confusa, desfragmentada, sem uma motivação clara de nenhum dos personagens, cenas carregadas de tensão mas desprovidas de direção. Por quase 40% do livro, fui eu quem se sentiu a idiota. A proposta de simular, por meio da forma, a própria confusão…
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A Revolução dos Bichos: entre o totalitarismo e a psicologia das seitas
A história é tão simples quanto possível, mas a lição que ela traz é complexa e inquietante. Numa bela noite de verão, o fazendeiro Sr. Jones é deposto, e os animais tomam conta de sua fazenda. Os porcos são os animais mais inteligentes. Qualquer coisa dita a mais será spoiler. E esse é o maior desafio aqui: escrever uma análise contando ou não a história? Recomendo ler esse post depois de ter lido ou caso não se importe em conhecer a história antes de ler. Logo no início, os animais criam um hino revolucionário, cheio de esperança. Mas essa canção, como tudo na história, será pervertida. Eis um trecho que…
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Escrever bem é fingir? E o que a IA tem a ver com isso?
A escrita exige mais do que técnica: exige empatia, imaginação e, talvez, fingimento. Neste artigo, explore o que Fernando Pessoa, a IA e a ciência cognitiva nos revelam sobre o ato de escrever bem. Sendo da geração Millennial e tendo crescido junto com a tecnologia, acredito que a enxergava de forma mais ingênua. Quando criança imaginava os robôs realizando as tarefas que a maioria das pessoas não gosta: trabalhos domésticos, repetitivos e afins. Porém, a realidade é que a inteligência artificial chegou para substituir justamente os trabalhos intelectuais e artísticos, aqueles que gostaríamos de ter mais tempo para fazer. Pelo visto, as crianças dos anos 1960 estavam mais alinhadas com…
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Dor: quando as palavras não bastam
Eu não tinha percebido que o fato de acreditar que estava com dor não era razão suficiente para ser confiável. (Eula Biss, escritora) Talvez por isso, para tentar nomeá-la, recorremos quase sempre às metáforas: “É uma pontada”, “é como uma facada”, “parece uma queimadura”. A linguagem tropeça, e precisamos de imagens, gestos, comparações; qualquer recurso que ajude a empurrar para fora o que insiste em ficar dentro. Na literatura, o desafio é semelhante. A dor raramente se mostra de forma direta. Ela se insinua nos silêncios, nas pausas da sintaxe, nas metáforas. Às vezes, aparece disfarçada, como quando chamamos alguém de “um pé no saco”. É que a dor acontece…
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Escrevemos melhor na dor ou na felicidade?
Será que os melhores livros nascem do desespero ou da euforia? Não é novidade que a linguagem é uma das ferramentas mais poderosas da humanidade. E a escrita, em especial, é uma forma incrível de expressar emoções: ela pode até moldar nosso humor, nosso estado afetivo e a forma como pensamos. No imaginário popular, a imagem do escritor já é bem conhecida: aquele homem barbudo, solitário, sentado numa bancada com uma máquina de escrever, fumando e bebendo café… ou talvez algo mais forte. Al-cooool… Ou então aquele mesmo barbudo, mas com cara de poucos amigos, escrevendo algo profundo como: Pois é, a ideia de que grandes obras nascem da infelicidade…